A reutilização de leveduras (fermento) é uma das práticas mais comuns entre cervejarias que visam economizar. Esse foi um dos assuntos abordados por Marcelo Cerdan, Diretor de Vendas para Americas da Fermentis, nas duas edições do Fermentis Academy que aconteceram na região sul do Brasil. Estivemos presentes nas duas edições, no dia 08/08/2023 em Porto Alegre e 10/08/2023 em Curitiba, e compartilhamos com você o que foi abordado sobre o assunto.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Por que reutilizar ou não reutilizar a levedura na produção de cerveja? A reutilização de leveduras é uma prática muito comum em cervejarias como forma de economizar e reduzir o valor gasto em cada receita. Mas até que ponto essa é uma prática realmente econômica e segura? Sabemos que a reutilização de fermento tem seus riscos, já que envolve a manipulação de um ser vivo ativo, suscetível a perder viabilidade, mudar suas características ou até mesmo sofrer alguma contaminação; analisando todas essas questões, reaproveitar levedura é uma economia realmente relevante?
Quando falamos em reaproveitamento de levedura, nos referimos a diferenças geracionais: o pacote fechado (ou geração zero) é a levedura ainda nova, com as características e genética originais, garantidas por toda a segurança laboratorial necessária e utilizada para sua produção. À medida que novos lotes são produzidos utilizando a mesma levedura de lotes anteriores, dizemos que estão sendo utilizadas novas gerações (1ª geração, 2ª geração e assim sucessivamente), que podem ser utilizadas puras ou “blendadas” com outra geração ou com levedura nova, dependendo dos processos e das rotinas assumidas por cada cervejaria.
A geração zero possui todas garantias e seguranças fornecidas pelo laboratório fornecedor, sendo a maneira mais confiável de saber que o perfil esperado da levedura será produzido durante a fermentação. O grau de atenuação, a tolerância ao álcool, a produção de ésteres e fenóis, tempo de sedimentação e todos os demais parâmetros são garantidos para manter o padrão esperado e a reprodutibilidade da receita segura.
Um dos pré-requisitos para que seja feita a reutilização é, primeiramente, garantir que os processos sanitários e de higienização sejam rigorosamente cumpridos pela cervejaria. Um dos maiores riscos é a contaminação, que pode comprometer não só o lote produzido como outros lotes, ou em casos extremos toda a cervejaria. Uma colônia de Bretanomyces ou de Pediococcus em alguma tubulação da cervejaria pode acabar se tornando um problema difícil de resolver e, principalmente, extremamente custoso. Mas mesmo estando essa etapa alinhada e os processos de controle sanitários extremamente adequados, não é apenas a contaminação que assombra o reaproveitamento de leveduras: as etapas do processo de produção da cerveja provocam diversas formas de estresse diferentes ao fermento, que são responsáveis por comprometer gradativamente a saúde e rendimento da levedura.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Como o estresse da levedura interfere na reutilização
As fontes de estresse são variadas e responsáveis por afetar a saúde das células de leveduras de diversas maneiras; desde a pressão hidrostática do peso da própria cerveja atuando sobre as células de levedura (dez metros de altura no tanque equivale a 10kgs de pressão); os desgastes oxidativos e osmóticos que a levedura passa durante o processo de propagação, que forçam e fragilizam as paredes celulares; e os próprios estresses da fase anaeróbica, além de outros estresses fermentativos como a demanda nutricional adequada, presença de etanol e o cold crash.
Todos esses processos afetam e comprometem as condições iniciais da levedura. A partir desse ponto, pequenas alterações sensoriais podem começar a surgir aos poucos, que a longo prazo podem se tornar verdadeiramente comprometedoras para a receita caso a reutilização seja realizada mais vezes do que o ideal. Indícios de diacetil, alteração nas próprias propriedades da levedura e, em última instância, até mesmo pequenas alterações genéticas, causando alteração do perfil esperado da levedura.

⠀⠀⠀⠀
Importante lembrar que para a reutilização da levedura é recomendado começar com estilos leves e ir reutilizando para estilos mais robustos gradativamente, e nunca o oposto, pois é possível que o perfil da levedura reutilizada comece a influenciar o perfil sensorial de cervejas mais leves). Um exemplo apresentado pela Fermentis é o abaixo:

⠀⠀⠀⠀
Até quantas vezes é seguro reutilizar a levedura?
Considerando os riscos, talvez pudéssemos reformular essa perguntar para: quantas vezes realmente vale a pena reutilizar levedura? Para responder essa questão, a Fermentis fez uma série de estudos com as suas leveduras, reutilizando durante várias gerações e analisando os impactos positivos/negativos, a quantidade de reutilizações até que possíveis efeitos ruins comecem a aparecer e até quantas vezes é seguro realizar esse procedimento.
Para a realização do estudo, foi produzida uma cerveja inicial de estilo considerado “leve”. Do fermento que foi reaproveitado dela, fermentou-se mais dois tanques do mesmo estilo, ou algum estilo mais forte. De cada um desses tanques fermentou-se mais dois, totalizando 4 tanques na segunda geração.
O preço da levedura estava em torno de 80 dólares o pacote de 500g, com uma taxa de inoculação de 50g/hl: dessa forma, podemos dizer que o custo da levedura por litro de cerveja, na geração zero, estava em torno de 0,08 centavos. Como desse tanque foram produzidos mais outros dois, o custo com a levedura se dilui, se tornando em torno de 0,02 centavos por litro – consequentemente, na geração seguinte, como foram produzidos 4 tanques, o custo se dilui novamente, indo já pra cerca de 0,01 centavo por litro. Dessa forma, percebemos que 3 gerações já seria o suficiente para o investimento inicial necessário para adquirir a levedura ser “recuperado”.

Após a terceira geração, podemos perceber que a economia por litro oferecida pela reutilização da levedura estagnou; em contrapartida, os riscos associados a essa reutilização começam a aumentar gradativamente a partir desse ponto, sendo no que se refere a alterações na própria levedura ou possibilidades cada vez maiores de contaminação cruzada. A partir desse ponto, é mais vantajoso, até mesmo financeiramente, começar o processo novamente com um novo pacote.
Nos experimentos que foram realizados utilizando a quarta geração ou posteriores, percebe-se que off-flavours e indícios de perfis de aroma ou sabor indesejados começam a aparecer gradativamente, podendo aumentar exponencialmente com o uso, além, é claro, da possibilidade cada vez maior de haver alguma contaminação. Considerando que a economia praticamente se estabiliza após a terceira geração, podemos dizer que apenas os riscos passam a aumentar, deixando de ser vantajoso.
⠀⠀⠀⠀
Análise do cenário brasileiro da viabilidade para reutilização de levedura
Sabemos que o cenário brasileiro é diferente. Por isso, decidimos refazer esse cálculo, adaptando para a nossa realidade e analisando se o mesmo padrão de economia se aplica ao nosso caso. Para referência neste estudo, usamos as leveduras SafAle™ US-05 e a SafLager™ W-34/70 da Fermentis, com os seus respectivos valores de venda sem os impostos.
Gráfico comparativo utilizando os valores referentes a SafAle™ US-05:

Gráfico comparativo utilizando os valores referentes a SafLager™ W-34/70:

Percebemos que, aplicado à realidade brasileira, é possível dizer que há uma economia real alcançada na reutilização até a 4ª geração, onde teremos uma economia que representa aproximadamente 90% do valor inicial investido na levedura. A partir desse momento, a economia nas próximas gerações acaba se diluindo, não havendo ganhos reais em reutilizar a levedura, ou seja, para recuperar os 10% faltantes do investimento inicial, seria necessário se manter reutilizando por muitas gerações ainda, não compensando o risco de contaminação ou off-flavours.
Podemos concluir que a reutilização até a quarta geração representa, de fato, uma economia considerável, além de ser relativamente segura. Os riscos envolvidos em continuar reutilizando, e os ganhos já conquistados até a 4ª geração demonstram que o mais indicado é não reutilizar além dessas gerações, recomendando-se recomeçar o processo com uma nova levedura.
⠀⠀⠀⠀
Saiba mais sobre a Fermentis e seus produtos: